Segunda-feira, Novembro 25, 2024

Maria Sguassábia: A professora que virou soldado na Revolução de 1932

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Rafael Arcuri
Rafael Arcuri
Rafael é o fundador e responsável pelo Jornal Fala São João, presente desde sua criação em 2012. Com uma atuação destacada no jornalismo, Rafael já publicou mais de 6.000 artigos, cobrindo uma ampla gama de assuntos, como notícias de última hora, ocorrências policiais e análises políticas, sempre comprometido em informar e conectar a comunidade de São João da Boa Vista e região.

Mãe e viúva, Maria Sguassábia lutou na Revolta Constitucionalista, há 90 anos, e chegou a prender tenente inimigo: ‘Meu irmão me chamou de louca, mas eu estava decidida’

Maria Estela Rosa Sguassábia era mãe, viúva e professora do município paulista de São João da Boa Vista, na fronteira com Minas Gerais, quando a Revolução Constitucionalista começou, em 9 de julho de 1932, há 90 anos. Seus irmãos, Primo e Antônio, de pronto se juntaram às tropas de São Paulo que tentariam derrubar do poder o presidente Getúlio Vargas. Como, naquela época, mulheres não podiam nem sonhar em participar de combates, Maria Estela continuou cuidando da escola rural onde dava aulas, na Fazenda Pauliceia. Mas não por muito tempo.

Situada no Nordeste de São Paulo, a Fazenda Pauliceia tornara-se palco de violentos confrontos. Da janela da unidade de ensino, a professora primária podia ver a movimentação dos soldados locais. Ao receber a notícia de que Primo havia sido morto em combate numa outra região do estado, Maria Estela ficou agoniada e decidiu ir à luta. Na última semana de julho, deixou a filha de 10 anos sob os cuidados do administrador de uma fazenda próxima, pegou o fuzil de um combatente paulista que havia desertado e saiu à procura do irmão Antônio no campo de batalha.

“Àquela altura, as tropas federais preparavam-se para tomar São João da Boa Vista, e os nossos, inclusive meu irmão Antônio, embarcaram em caminhões para enfrentá-los em Santo Antônio do Jardim, mais ao Sul”, contou a própria Maria Estela em uma entrevista ao GLOBO publicada em 9 de julho de 1972, 40 anos depois. “Quando me viu, meu irmão quase me jogou para fora do caminhão. Disse que eu estava louca e que onde já se viu uma mulher no meio de soldados, armada como se fosse um homem. Mas eu estava decidida e não teve jeito”.

A professora, que entrou para a História com o apelido machista de “Maria Espingarda”, descreveu o episódio como o mais importante de sua vida. A Revolução Constitucionalista foi um movimento das elites paulistas contra Vargas. O general gaúcho tomara o poder do país na Revolução de 1930, derrubando o presidente Washington Luís e impedindo a posse do sucessor, Júlio Prestes, colocando fim à chamada República Velha. A partir de então, Vargas passou a governar de forma autoritária, por meio de decretos. Frustrados com a perda de influência, empresários e políticos paulistas se insurgiram para exigir a formação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

Em Santo Antônio do Jardim, já dentro das trincheiras, Maria Estela Sguassábia passou por maus bocados. “Eu percebi que não sabia manejar o fuzil e, no meu primeiro tiro, quase caí de costas com o recuo da arma, por não saber que tinha que encostar a coronha no ombro”, contou a professora na entrevista ao GLOBO de 1972. “Não perdemos ninguém naquela batalha. Mas, em seguida, o Tenente Meira, nosso superior imediato, percorreu toda a trincheira perguntando se havia feridos. Quando chegou perto de mim, ainda tentei engrossar a voz, mas meu irmão foi logo me revelando”.

O tenente ficou furioso e disse que não precisava de mulheres, mas, sim, de munição, e que Maria Estela seria obrigada a voltar para casa “de qualquer jeito”. Meira levou o caso ao comandante da coluna, Romão Gomes, que surpreendentemente, não se importou com a professora e, pelo contrário, encorajou a sua presença: “Ele disse que seria bonito se eu resistisse, enquanto ‘muitos homens barbados fogem ao ouvir os primeiros tiros'”, contou a viúva, que, na época das históricas batalhas, tinha 33 anos.

No município de Pedregulho, ela, o irmão e outros dois soldados resolveram cercar um grupamento inimigo que estava acampado atrás da igreja. “Eu me aproximei de alguns que estavam deitados e com armas em punho e gritei: ‘Rendam-se!’. Mas, quando me viram, nenhum deles esboçou qualquer reação, apenas comentaram: ‘É uma moça'”.

Ao mesmo tempo, Maria Estela reparou que o tenente federal no comando estava fugindo. Ela foi atrás dele, apontou o fuzil e deu voz de prisão. O oficial se rendeu, mas não quis entregar suas armas, achando demais ser preso por uma mulher. Em seguida, porém, apareceu o Tenente Meira, que desarmou o adversário e entregou à professora a pistola do inimigo. “Essa façanha me valeu uma promoção a cabo e, logo depois, a sargento. O tenente preso, porém, não se conformou e, depois da Revolução, decidiu me perseguir”.

Entre fins de agosto e começo de setembro, a situação dos rebeldes piorou. Cercada pelas numerosas tropas federais, a coluna de Maria Estela se retirou na direção de São João da Boa Vista, onde ela pôde reencontrar sua filha. O grosso das tropas paulistas já se encontrava na capital do estado, à beira de sucumbir. Os irmãos Sguassábia, então, seguiram com as tropas de Romão Gomes até Campinas, onde se viram cercados pelas forças federais. Sem alternativa, desistiram da Revolução.

Maria Estela e Antônio Sguassabia numa trincheira da Revolução de 1932 — Foto: Reprodução

“Escondi meu fuzil no jardim de uma casa, junto com o meu capacete. Procuramos nos refugiar, mas a impressão que tínhamos era de que não havia uma viva alma na cidade”, contou ela. “Conseguimos abrigo na casa de uma conhecida, Sebastiana, que nos recebeu com muita cautela, dizendo ter medo de soldados. Consegui um vestido velho, e todos trocamos nossas fardas por roupas civis. Somente assim, conseguimos atravessar as linhas inimigas, que àquela altura já haviam ocupado a cidade”.

“Com uma dor no coração”, Maria Estela e seu irmão decidiram voltar para São João da Boa Vista. Eles percorreram a pé todo o caminho, sempre encontrando tropas do governo federal que haviam ficado na retaguarda, no interior do estado. Depois de dois dias andando, chegaram em casa, quase no fim da Revolução. Foi quando Maria Estela reencontrou, de vez, a sua filha e seu pai. Três meses depois, eles receberam de volta o terceiro irmão, Primo, que, para a felicidade da família Sguassabia, estivera preso, mas não havia morrido em combate.

Revolução de 1932 terminou com a derrota dos paulistas. O plano inicial deles era derrotar as forças federais em seu território e rumar para a o Rio de Janeiro, então a capital do país, com o apoio de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Mato Grosso. Mas as tropas dos outros estados não apareceram , e Getúlio conseguiu sufocar a insurreição em São Paulo, após 87 dias, com cerca de 2,2 mil mortos, de acordo com estimativas. Mesmo assim, os paulistas relembram da Revolução com orgulho. Desde 1997, o dia 9 de julho é feriado estadual.

Ao voltar para casa, Maria Estela soube que sua cabeça estava a prêmio por 20 contos de reis. Felizmente, a Revolução acabou dias depois, e ninguém teve tempo de ganhar a recompensa. Entretanto, a professora continuou assombrada por um “fantasma”. O tenente que ela prendera, chamado Artur Noce, foi a São João da Boa Vista e conseguiu, com o prefeito local, a exoneração da docente. Ela trabalhou como costureira por seis meses, até conseguir o emprego de volta.

Quatro décadas mais tarde, aos 73 anos, aposentada e com dois netos, Maria Estela se ocupava do jardim de sua casa na cidade onde crescera. Só o que restava da Revolução eram as medalhas de honra exibidas com orgulho e as memórias descritas com riqueza de detalhes.

Biografia de Maria Sguassábia: O GLOBO

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