Certo está o bom (bota bom nisso), velho e analógico Ruy Castro, que não tem celular, carrega providencialmente algumas fichas telefônicas no bolso e não se desfaz de jeito nenhum dos milhares de vinis, CDs e DVDs que juntou ao longo de décadas – a despeito das plataformas de streaming da vida.
Ainda que os orelhões estejam extintos da paisagem e as fichas telefônicas dividam espaço com suspensórios e mata-borrões nas feiras de antiguidade, talvez o jurássico Ruy esteja mais up-to-date do que a galerinha viciada em Tik-Tok.
Notícias recentes dão conta de que a debandada de compositores e intérpretes do Deezer, Spotify, Amazon Music e outros será avassaladora daqui pra frente. As esmolas arremessadas a eles por estes megaportais fariam um flanelinha de semáforo parecer um Jeff Bezos, se comparados os rendimentos de direitos de execução de artistas consagrados à caixinha dos labutadores dos cruzamentos.
A coisa é de causar vergonha. Segundo o Canaltech (www.canaltech.com.br), um cantor/compositor precisa ter sua música executada 791.945 vezes por ano para enfiar o pé na jaca, locupletando-se com pagamento equivalente a um salário mínimo brazuca. Isso no Spotify. No Youtube, os números conseguem ser muitíssimo piores: 5.015.652 é a quantidade de reproduções necessárias para fazer jus à mesma bolada. Só ganham dinheiro pra valer os arrasa-quarteirões internacionais e os sertanojos da vez, com seus trinados rouxinolescos e suas sofrências incuráveis.
De duas, uma: ou voltamos ao tempo do Napster, com gigantescos sites piratas de compartilhamento de arquivos, ou a mídia física retorna de vez. O que seria a revanche dos tubarões das gravadoras, que amargam penúria há décadas. E, claro, seria também a confirmação dos dotes proféticos do Ruy, que certamente irá passar a mão no telefone fixo e comentar com os amigos mais chegados: “Eu não disse?”.
Esta é uma obra de ficção
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