Um mês de consciência para plantar a semente da transformação
Por Sofia Rodrigues do Nascimento*
É cada vez mais notória a importância da cultura negra na formação da sociedade brasileira. Por mais que se tente negar, ou esconder essa condição natural, mais forte ela se faz presente. O Brasil foi construído pelo suor e dor dos negros. No mês da Consciência Negra, o mínimo que se espera é a valorização da pessoa negra e o reconhecimento da sua importante contribuição para nossa sociedade. Um reconhecimento que deveria estar presente no dia a dia dos brasileiros, sem precisar criar uma data especial
Infelizmente, negros e negras ainda sofrem com a pouca representatividade, o racismo e o preconceito, muitas vezes velado e disfarçado de opinião ou brincadeira. A cada dia temos exemplos do racismo estrutural no país, e mostra que temos muito a lutar para que o Brasil alcance um nível digno de igualdade racial e social.
Antes de tudo, quero dizer que sou negra, com muito orgulho, e me solidarizo com a vereadora negra Paolla Miguel, vítima recente de racismo durante sessão na Câmara Municipal de Campinas. Paolla foi xingada de “preta lixo” em pleno mês que celebra a Consciência Negra, mostrando que o racismo continua forte e presente no Brasil. Neste contexto, é importante lembrar que Campinas foi a última cidade do país a abolir a escravidão.
A pessoa que cometeu essa violência integrava um grupo que foi à Câmara protestar contra a vacina anti-Covid-19. O repertório do grupo incluía também palavras de ordem como “vacina mata”.
É inadmissível que esse tipo de comportamento ainda exista. No entanto, é compreensível que essas agressões aflorem na gestão do atual governo federal, que desrespeita índios, gays, negros ou qualquer um que contrarie sua ideologia e conservadorismo.
O exemplo mais evidente foi colocar Sérgio Camargo como presidente da Fundação Palmares, até então, uma instituição símbolo do movimento negro. Camargo é negro, mas defende o fim do movimento negro e já declarou que a escravidão fez bem para os negros.
Vivemos um tempo de exaltação ao ódio, racismo e intolerância.
Dói na pele ver as tentativas de destruírem nossas conquistas com tanta ênfase como vem ocorrendo nos últimos dois anos. Por isso, é importante aproveitar o mês da Consciência Negra para refletir, reconhecer e valorizar a luta dos negros, da cultura negra e suas contribuições na constituição de nossa sociedade.
O dia 20 de novembro, escolhido em 1978 para marcar o Dia da Consciência Negra, além de homenagear as culturas e lutas dos povos negros, reforça a importância de a sociedade refletir e agir para combater o racismo estrutural no país.
Graças ao esforço do movimento negro, a data vem sendo cada vez mais lembrada pela sociedade brasileira. Eventos e debates são realizados Brasil afora a fim de combater o racismo e promover a igualdade racial. O Sinsaúde, que tem entre os trabalhadores associados uma grande parcela de negros, principalmente mulheres, promove sistematicamente a igualdade social e racial.
Todos temos a mesma cor. E assim devemos ver.
Obviamente, não é em um mês que se retira preconceitos tão profundamente enraizados na cultura brasileira, mas é o ponto de partida para plantar a semente da transformação. Resistimos à escravidão e com certeza vamos resistir e triunfar com nossa cor, com nossa pele, em nossa busca implacável pela igualdade social e racial.
Eu sou negra.
*Sofia Rodrigues do Nascimento é presidente do Sinsaúde, Sindicato que representa 80 mil trabalhadores em estabelecimentos de saúde de 172 cidades do interior de São Paulo.